domingo, 13 de setembro de 2015

Resenha: A Hora das Bruxas de Anne Rice – Deixemos Lestat de lado por um momento




         No começo do ano foram definidas as leituras que seriam debatidas durante o semestre pelo grupo de estudos que participo na faculdade. A última dessas leituras seria o romance A Hora das Bruxas (1990), da querida Anne Rice. Por serem dois volumes extensos, comprei e me programei para lê-los. O romance, na verdade, é um só, porém por ser tão longo (os dois somados constam com mais de 970 páginas em minha edição pela Rocco) foi dividido em dois volumes que, não podem ser lidos separadamente.  Como o título já indica, dessa vez o motivo sobrenatural escolhido por Anne Rice são as bruxas, situadas em nossa contemporaneidade e vivendo suas vidas quase como pessoas normais.






 

Eu já li vários dos volumes das aclamadas Crônicas Vampirescas da autora (confesso que não li todos ainda) e sua escrita arrastada nunca fora um grande problema para mim. Bem, até agora não havia sido. A primeira parte da história trata da longa introdução aos personagens “ativos” da trama: o atraente restaurador de casas Michael Curry, a cirurgiã Rowan Mayfair e as atuais habitantes da casa da First Street – propriedade antiquíssima palco de grande parte da história da família – Miss Carlotta e Deidre Mayfair.

            Michael é introduzido na trama após um incidente que mudou sua vida. Durante um passeio pelas formações rochosas de uma praia, o homem cai nas aguas do oceano congelante e é salvo por uma pessoa misteriosa, voltando do além de uma forma modificada – agora Michael tem um poder. Ao tocar em qualquer objeto ou pessoa com suas mãos nuas, sente diversas sensações e impressões relacionadas ao objeto ou sujeito, o deixando perturbado e confuso. Isso causa uma repercussão que o faz se isolar da sociedade e perder as esperanças de um futuro tranquilo, se entregando à bebida. Já Rowan é uma cirurgiã extremamente bem sucedida que, entretanto, não conhece seu passado. Tenho passado toda sua vida na Califórnia com seus pais adotivos, Rowan nunca soube nada de sua família tradicional de Nova Orleans. Nos direcionando a esse estado, nos deparamos com a já citada casa da First Street, que é habitada pela advogada idosa Carlotta, sua sobrinha Deidre, que vive sua vida de forma quase vegetativa devido a alguma condição mental, além de mais três senhoras também idosas e pertencentes  à família. Ponto comum entre esses três grupos de personagens está o inglês Aaron Lighter, que se apresenta como membro de uma organização internacional chamada de o Talamasca, cujo objetivo para com cada personagem é diferente. Durante páginas e páginas acompanhamos a rotina desses personagens, com muita informação irrelevante que é rapidamente esquecida. Nesse primeiro momento a narrativa não engata, a impressão que tive foi de estar lendo uma longa e desnecessariamente detalhada introdução.

            O segundo momento da história são os registros acerca de toda a descendência da família Mayfair, que é lida por alguns dos personagens da história, assim como pelo leitor, pois se encontram de forma integral no romance, rendendo muitas, muitas páginas. Iniciada por Suzanne Mayfair na Escócia, conhecemos em detalhes a vida e poderes de cada mulher descendente de Suzanne, com a família se transferindo para o Haiti e finalmente para Nova Orleans. Estão presentes nesses registros mulheres da família sendo queimadas na fogueira, muitos casos de incesto e a presença sempre constante de Lasher – outra peça central desta obra. Lasher, assim nomeado por Suzanne, é um espírito de origem imprecisa que acompanha a família a cada geração, sempre preso e obediente a uma mulher por vez, cumprindo seus desejos, causando desastres em seu nome e por fim tendo uma presença muito mais marcante do que a família acredita causar.

            Após então conhecermos de perto todas as grandes bruxas Mayfair, e tentarmos decorar insistentemente que Stella foi mãe de Antha (sim, esse é o nome dela), que foi mãe de Deidre, que é mãe de Rowan, que é prima de Beatrice, prima de Ryan, que é filho de alguém que eu já esqueci, nos direcionamos a um novo momento da trama. São muitos, muitos nomes, e ter toda essa linhagem clara na cabeça é difícil. Mas são histórias que depois de um tempo vão se ligando e se tornando mais interessantes. Assim chegamos então a terceira e última parte do romance, que é onde a narrativa realmente engata. As vidas de Michael e Rowan –agora interligadas – começam a tomar um rumo perigoso, e toda a ação que faltava nas outras partes do livro começa a florescer. Digo sem sombras de dúvida que essa terceira parte da obra faz com que ela valha a pena de ser lida. Há cenas de mistérios, de revelações de segredos e cenas que causam medo, efeito que não está presente no resto do romance.   

            Apesar de não ser um personagem humano, quem é peça fundamental para toda essa trama desde séculos e séculos atrás é a tal da casa de First Street. Assim como em A Queda da Casa de Usher, de Poe, temos um personagem imóvel, inanimado, mas fundamental para os acontecimentos da trama. A casa é palco para diversas tragédias e acontecimentos fundamentais da história; até seu estado de conservação influencia na vida de quem lá vive ou frequenta, e ela é responsável pela atmosfera de grande parte das cenas narradas que acontecem por lá. Muitos dos personagens que conhecemos poderiam ter sido substituídos ou eliminados, porém a casa são os alicerces de A Hora das Bruxas. As histórias de todos os personagens convergem para esse local.

            Demorei muito para concluir a leitura dos dois volumes – quase dois meses – porém essa última parte fluiu com muito mais rapidez; o ritmo e a velocidade dos acontecimentos são alterados por completo, dando um fôlego final depois de tantas páginas monótonas. A história, apesar de ter uma conclusão, continua no próximo volume dessa série, intitulado Lasher. Acredito que o ritmo desse livro deva ser similar ao dessa última parte de seu antecessor, uma vez que o pano de fundo já está pintado por completo. Como dito anteriormente, é uma história que se passa no final do séc. XX, ou seja, não espere características estereotipadas de bruxas, feitiços e caldeirões e muito menos sapos. O elemento “bruxa” é muito sutil e o foco é muito maior na questão do espírito indecifrável Lasher. É uma abordagem interessante e embasada, sem espaço para baboseiras adolescentes, como vemos em diversas histórias que retratam bruxas e espíritos. Por fim, tenho que ser sincera e recomendar a leitura, gostei da forma em que a trama foi trabalhada e há inclusive elementos científicos envolvidos no que a princípio parece apenas inexplicável (olá Todorov). Não posso negar que há diversos parágrafos que para mim são totalmente dispensáveis, inclusive cenas relacionadas a sexo que Anne Rice tanto gosta de descrever. Mas como podem ver, é tudo uma questão de gosto. Cabe a mim agora me dirigir à Estante Virtual e procurar por uma cópia barata e eficiente (olá crise) de Lasher.

                                  

                                 
       

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