No começo do ano foram
definidas as leituras que seriam debatidas durante o semestre pelo grupo de
estudos que participo na faculdade. A última dessas leituras seria o romance A
Hora das Bruxas (1990), da querida Anne Rice. Por serem dois volumes extensos,
comprei e me programei para lê-los. O romance, na verdade, é um só, porém por
ser tão longo (os dois somados constam com mais de 970 páginas em minha edição
pela Rocco) foi dividido em dois volumes que, não podem ser lidos
separadamente. Como o título já indica,
dessa vez o motivo sobrenatural escolhido por Anne Rice são as bruxas, situadas
em nossa contemporaneidade e vivendo suas vidas quase como pessoas normais.
Eu
já li vários dos volumes das aclamadas Crônicas Vampirescas da autora (confesso
que não li todos ainda) e sua escrita arrastada nunca fora um grande problema
para mim. Bem, até agora não havia sido. A primeira parte da história trata da
longa introdução aos personagens “ativos” da trama: o atraente restaurador de
casas Michael Curry, a cirurgiã Rowan Mayfair e as atuais habitantes da casa da
First Street – propriedade antiquíssima palco de grande parte da história da
família – Miss Carlotta e Deidre Mayfair.
Michael é introduzido na trama após um incidente que mudou
sua vida. Durante um passeio pelas formações rochosas de uma praia, o homem cai
nas aguas do oceano congelante e é salvo por uma pessoa misteriosa, voltando do
além de uma forma modificada – agora Michael tem um poder. Ao tocar em qualquer
objeto ou pessoa com suas mãos nuas, sente diversas sensações e impressões
relacionadas ao objeto ou sujeito, o deixando perturbado e confuso. Isso causa
uma repercussão que o faz se isolar da sociedade e perder as esperanças de um
futuro tranquilo, se entregando à bebida. Já Rowan é uma cirurgiã extremamente
bem sucedida que, entretanto, não conhece seu passado. Tenho passado toda sua
vida na Califórnia com seus pais adotivos, Rowan nunca soube nada de sua família
tradicional de Nova Orleans. Nos direcionando a esse estado, nos deparamos com
a já citada casa da First Street, que é habitada pela advogada idosa Carlotta,
sua sobrinha Deidre, que vive sua vida de forma quase vegetativa devido a
alguma condição mental, além de mais três senhoras também idosas e
pertencentes à família. Ponto comum
entre esses três grupos de personagens está o inglês Aaron Lighter, que se
apresenta como membro de uma organização internacional chamada de o Talamasca,
cujo objetivo para com cada personagem é diferente. Durante páginas e páginas
acompanhamos a rotina desses personagens, com muita informação irrelevante que
é rapidamente esquecida. Nesse primeiro momento a narrativa não engata, a
impressão que tive foi de estar lendo uma longa e desnecessariamente detalhada
introdução.
O segundo momento da história são os registros acerca de
toda a descendência da família Mayfair, que é lida por alguns dos personagens
da história, assim como pelo leitor, pois se encontram de forma integral no
romance, rendendo muitas, muitas páginas. Iniciada por Suzanne Mayfair na
Escócia, conhecemos em detalhes a vida e poderes de cada mulher descendente de
Suzanne, com a família se transferindo para o Haiti e finalmente para Nova
Orleans. Estão presentes nesses registros mulheres da família sendo queimadas
na fogueira, muitos casos de incesto e a presença sempre constante de Lasher –
outra peça central desta obra. Lasher, assim nomeado por Suzanne, é um espírito
de origem imprecisa que acompanha a família a cada geração, sempre preso e
obediente a uma mulher por vez, cumprindo seus desejos, causando desastres em
seu nome e por fim tendo uma presença muito mais marcante do que a família
acredita causar.
Após então conhecermos de perto todas as grandes bruxas
Mayfair, e tentarmos decorar insistentemente que Stella foi mãe de Antha (sim, esse é o nome dela), que
foi mãe de Deidre, que é mãe de Rowan, que é prima de Beatrice, prima de Ryan,
que é filho de alguém que eu já esqueci, nos direcionamos a um novo momento da
trama. São muitos, muitos nomes, e ter toda essa linhagem clara na cabeça é
difícil. Mas são histórias que depois de um tempo vão se ligando e se tornando
mais interessantes. Assim chegamos então a terceira e última parte do romance,
que é onde a narrativa realmente engata. As vidas de Michael e Rowan –agora
interligadas – começam a tomar um rumo perigoso, e toda a ação que faltava nas
outras partes do livro começa a florescer. Digo sem sombras de dúvida que essa
terceira parte da obra faz com que ela valha a pena de ser lida. Há cenas de
mistérios, de revelações de segredos e cenas que causam medo, efeito que não
está presente no resto do romance.
Apesar de não ser um personagem humano, quem é peça
fundamental para toda essa trama desde séculos e séculos atrás é a tal da casa
de First Street. Assim como em A Queda da
Casa de Usher, de Poe, temos um personagem imóvel, inanimado, mas
fundamental para os acontecimentos da trama. A casa é palco para diversas
tragédias e acontecimentos fundamentais da história; até seu estado de
conservação influencia na vida de quem lá vive ou frequenta, e ela é
responsável pela atmosfera de grande parte das cenas narradas que acontecem por
lá. Muitos dos personagens que conhecemos poderiam ter sido substituídos ou
eliminados, porém a casa são os alicerces de A Hora das Bruxas. As histórias de
todos os personagens convergem para esse local.
Demorei muito para concluir a leitura dos dois volumes –
quase dois meses – porém essa última parte fluiu com muito mais rapidez; o
ritmo e a velocidade dos acontecimentos são alterados por completo, dando um
fôlego final depois de tantas páginas monótonas. A história, apesar de ter uma
conclusão, continua no próximo volume dessa série, intitulado Lasher. Acredito
que o ritmo desse livro deva ser similar ao dessa última parte de seu antecessor,
uma vez que o pano de fundo já está pintado por completo. Como dito
anteriormente, é uma história que se passa no final do séc. XX, ou seja, não
espere características estereotipadas de bruxas, feitiços e caldeirões e muito
menos sapos. O elemento “bruxa” é muito sutil e o foco é muito maior na questão
do espírito indecifrável Lasher. É uma abordagem interessante e embasada, sem
espaço para baboseiras adolescentes, como vemos em diversas histórias que
retratam bruxas e espíritos. Por fim, tenho que ser sincera e recomendar a
leitura, gostei da forma em que a trama foi trabalhada e há inclusive elementos
científicos envolvidos no que a princípio parece apenas inexplicável (olá
Todorov). Não posso negar que há diversos parágrafos que para mim são totalmente
dispensáveis, inclusive cenas relacionadas a sexo que Anne Rice tanto gosta de
descrever. Mas como podem ver, é tudo uma questão de gosto. Cabe a mim agora me
dirigir à Estante Virtual e procurar por uma cópia barata e eficiente (olá
crise) de Lasher.
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