Há
alguns meses li a notícia de que Tim Burton faria um filme de um livro
intitulado O Orfanato da Srta. Peregrine
para Crianças Peculiares. Eu não conhecia este livro e não fazia ideia do
que se tratava, mas considerando que sou uma fã do cineasta, me interessei.
Alguns meses depois (ou seja, agora) tive a oportunidade de lê-lo. Não procurei
informações a seu respeito e nem li sinopses, me entregando à leitura com a
mente em branco. Seu autor, Ransom Riggs, trabalhava inicialmente com cinema,
até surgir a oportunidade escrever esse romance em 2011.
Pois bem, a história acontece ao redor de Jacob, um garoto
de 16 anos que vive nos Estados Unidos e não acha sua vida muito divertida. Sua
família tem dinheiro e ele já sabe que seu futuro será dentro da empresa que
herdará. A melhor parte da vida de Jacob fora sua infância junto de seu avô,
que sempre contava a ele histórias dos tempos em que viveu em um orfanato em
uma ilha do País de Gales, sendo um fugitivo da guerra. Essas histórias sempre
soaram verídicas em sua cabeça, até que a maturidade da adolescência o mostrou
que não deveria ser bem o caso. Seu avô, Abraham, possuía fotografia das
supostas crianças que viveram junto a ele no orfanato, mas o diferencial é que
não eram crianças normais: uma delas aparecia na foto flutuando, outro segurando
uma pedra enorme e ainda em outra foto só era possível se ver as roupas de um
garoto supostamente invisível. O interessante do livro é que essas fotos são mostradas
a nós. Coletadas entre arquivos de colecionadores, é dito serem todas
autênticas. Numa espécie de livro ilustrado, podemos compreender de forma mais
nítida aquilo que está sendo narrado, se tornando um prato cheio para os mais
curiosos por detalhes.
A história segue até o momento crítico em que seu avô é
supostamente assassinado por uma criatura que apenas Jacob pôde ver, uma
criatura bizarra com espécies de tentáculos saindo de sua boca. Justificando
que essa visão tenha sido resposta ao choque de encontrar o avô morto, o garoto
é enviado à terapia para se tratar. Porém no momento da morte do ancião, este
diz algumas coisas misteriosas para o neto, que não consegue as compreender.
Serão essas frases sem sentido que farão com que Jacob parta em uma busca de significados
e um conhecimento maior a respeito de seu avô. Após encontrar uma carta da
Srta. Peregrine, a diretora do orfanato na época em que ele lá vivera, Jacob
decide viajar à ilha remota com a esperança de que a mulher, ou ainda alguns
dos colegas do avô ainda estejam vivos.
Até esse momento, a narrativa é bastante ambígua. Não
podemos saber com certeza se tudo o que o avô contava era verdade ou apenas
histórias para tornar sua infância menos sofrida. Também não podemos saber se o
que Jacob viu no momento da morte de seu avô era real ou fruto da sua
imaginação. Após a chegada à ilha, as coisas começam a ficarem mais claras. O
garoto se dirige ao antigo orfanato, mas nada encontra além de destroços. De
acordo com os moradores do vilarejo, todos do orfanato morreram durante a
guerra, após um bombardeio. Isso não faz sentido para Jacob, já que a carta que
lera da diretora era posterior à guerra. É ai que o sobrenatural começa a se
mostrar como a verdade na história: Jacob se encontra com uma garota aos
arredores do orfanato, e a segue até uma entrada rochosa. Ao sair do outro
lado, se vê no mesmo cenário, mas tudo está diferente: ele está em uma fenda
temporal, onde as crianças do orfanato realmente vivem. Essa tal fenda, mantida
pela Srta. Peregrine, repete todos os dias certo momento do passado, é três de
setembro de 1940, quando supostamente morreram. Ali estão todas as crianças das
fotos, e com todos os “poderes” que apresentam nelas. Nesse momento então a
ambiguidade acaba: tudo que seu avô contava era real e as crianças são realmente
peculiares. E o que é ser peculiar, dentro dessa história? Pessoas que possuem
capacidades sobre-humanas, e que não são aceitas pela população comum. Uma
espécie de X-Men ou então as bruxas de American Horror Story: Coven. Cada um
com seu poder, alguns muito interessantes, outros mais convencionais. Emma, por
exemplo, tem o poder de manipular e criar fogo com suas mãos ; Fiona tem o
poder de lidar com a natureza; Enoch consegue dar vida a humunculi. É tudo
bastante interessante, o modo como vivem o mesmo dia de formas diferentes, e como
não se importam de viverem dessa forma presos à fenda.
O grande problema, para mim, surge quando acontece uma
tentativa de explicar toda a questão dos peculiares e seus inimigos (denominados
“etéreos”, como a criatura que matou seu avô). Nesse momento, é introduzida
toda uma pseudomitologia bastante fraca e inconsistente, onde uma parcela de
peculiares, após tentarem alcançar mais poder acabaram por se tornarem monstros.
Sua forma bizarra com línguas de
tentáculos nunca é justificada e sinceramente não faz muito sentido, a única explicação
dada é que tomaram essa forma como uma espécie de maldição, onde teriam
regredido a um estado primitivo. Inclusive, não podem ser vistos por peculiares
normais, apenas pelos que possuem esse poder, como seu avô e o próprio Jacob,
obviamente. Qual o sentido disso? Não sei, mas me lembrou muito a temporada de
AHS já citada, onde cada bruxa tinha poderes muito específicos e em alguns
casos inúteis e bizarros. Matam peculiares, pois, ao se alimentarem de seus
antigos irmãos, podem começar a se recuperar desse estado, se tornando “acólitos”,
uma figura já humana mais ainda amaldiçoada.
A trama segue, então, quando possíveis etéreos aparecem
na ilha, em busca dos órfãos reclusos. Chegando ao final do livro, fui
percebendo que não teria uma conclusão. Assim que o terminei, descobri ser
parte de uma trilogia, cujos outros dois volumes ainda não foram lançados no
Brasil. No geral, é um livro legal. A história do orfanato é interessante, mas
acredito que teria sido muito mais interessante se não mostrasse tanto. O livro
é explicito visualmente, com as fotografias, e verbalmente, pois para tudo é
dado uma explicação, que caso não existisse deixaria tudo mais misterioso (como
a baboseira dos etéreos, por exemplo).
Apesar de ter gostado, acho que a história teria sido
muito mais consistente se a questão sobrenatural não fosse tão forte. Minhas
expectativas iniciais, apesar de pequenas, eram de que eu leria uma história
mais “real”, com pessoas bizarras, mas dentro do possível, e não uma narrativa totalmente
fantasiosa. Acredito que eu esperava uma parcela maior e mais madura de terror,
o que não existe, afinal é um livro de literatura infanto-juvenil. Ainda tenho
esperanças de que, até o final da trilogia, haja uma explicação de tudo fora
parte da loucura de Jacob, onde nada disso foi real. Ficaria muito mais
interessante, na minha humilde opinião. Porém, acredito que essa seja uma
probabilidade muito pequena. Pois bem, aguardemos assim a leitura dos próximos
volumes e, então, um veredito oficial.
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