Provavelmente você nunca ouviu falar
de Matthew Gregory Lewis. No máximo conhece o nome Matthew Lewis, já que esse é
o ator que interpreta Neville nos filmes do Harry Potter. Já o Matthew Gregory
foi um escritor inglês nascido no século 18 e autor de um dos romances mais
importantes dos primórdios da literatura gótica: The Monk.
Ilustração de edição de 1846 |
Desde que comecei a estudar
literatura “oficialmente” tenho me dedicado a ler os romances e contos que
fundaram e constituíram a literatura que hoje é mais amplamente conhecida como
“de terror”. E “The Monk” é justamente uma dessas obras cruciais. Infelizmente
não há nenhuma tradução brasileira, mas o livro pode ser encontrado em versões
portuguesas (se você mesmo importar, entretanto). Como podem ver, não é um
livro acessível e nem famoso nos dias de hoje. Minha versão, em inglês, faz
parte da coleção de ficção da editora Dover, mas pode ser encontrado em
qualquer coleção de clássicos em língua inglesa.
Pois bem, o livro conta com uma
introdução assinada por “E. A. B.” de 1906 e curiosamente é uma crítica
ferrenha ao livro e autor. Diferente da maioria das introduções, que costumam
exaltar a obra e mostrar todos seus pontos positivos, esse texto introdutório
aponta diversos defeitos no livro e deixa um ar de que apesar de ter sido
influência para muitos autores importantes, não deveria continuar sendo
editado. Discordo completamente dessa opinião.
“The Monk” trata da história de um
monge (obviamente) chamado Ambrósio, que é o maior exemplo de santidade na
terra e admirado por toda a sociedade em que vive. Situada em Madrid na maior
parte do tempo, a história se passa dentro da abadia em que Ambrósio reside, o
convento vizinho a essa abadia, (que será palco para histórias paralelas à de
Ambrósio) além de castelos escuros e fantasmagóricos. Seria clichê nos dias de
hoje, se não fossem um dos fundadores desse clichê. A linha narrativa de
Ambrósio gira em trono de sua relação com personagens femininas que acabam por
despertar todos seus desejos humanos que, enquanto exilado da sociedade dentro
da abadia, Ambrósio excluíra por completo de sua existência. Paralelamente
acompanhamos as histórias de amor e separação de Raymond e Agnes e Lorenzo e
Antônia, que em diversos momentos se cruzam e complementam. O livro, portanto,
nos apresenta várias tramas de importância similar e todas tão boas quanto as
outras.
O que faz então desse livro notável
ou passível de críticas pesadas com as da sua introdução? The Monk é um livro
com cenas muito visuais. Uma das maiores críticas da introdução é a respeito do
autor não deixar nada para a imaginação; ele não é sutil em suas descrições e
muito menos economiza sangue em suas cenas. E isso não era comum em sua época. Aliás
não é comum em grande parte da literatura. Porém isso não é um defeito, mas
enriquece a história e adiciona um caráter muito próprio à obra. Uma das cenas,
por exemplo, nos mostra o linchamento de certa personagem pelo povo, que a
princípio a xingam, ofendem, então passam a carregá-la pelo meio da multidão e
então a agredi-la, as jogam na lama e sujeira, a empurram entre si, cada vez de
forma mais violenta, arrastando-a pelas ruas. Após ser golpeada na têmpora e
cair ensanguentada no chão, a multidão não a perdoa e continua a chutá-la e golpeá-la
até que seu cadáver se torne uma “massa de carne, horrível de se olhar,
disforme e nojenta” (tradução livre). Vemos que não é qualquer morte que passe
despercebida. É chocante, é visual e perturbadora. E assim são muitas outras
cenas desse livro, que incluem mais assassinatos, violência sexual e pactos
demoníacos.
Além de toda essa violência gratuita,
outro ponto forte do livro é a quantidade de surpresas que ele proporciona. Eu
não sou uma pessoa que se surpreende fácil; na maioria das vezes que leio um
livro ou vejo um filme acontece uma das duas coisas: ou eu adivinho o final, que na maioria das vezes é previsível
de qualquer forma, ou eu tenho expectativas para esse final que acabam sendo
muito altas e me decepciono com a banalidade com que a trama é encerrada. A
obra de Lewis não se encaixa nesses casos. Durante toda a história fatos
surpreendentes e inesperados acontecem, inclusive uma história memorável
incluindo um fantasma de uma moça, possivelmente um molde para lendas
contemporâneas no estilo da loira do banheiro e afins. A cena inclui também a
lenda cristã do Judeu Errante, personagem incapaz de morrer e que vaga o mundo
até o fim dos tempos. O livro inclui, aliás, uma das cenas mais tristes entre
uma mãe e um filho morto. De cortar o coração.
Em The Monk, como vemos, há diversos
acontecimentos, tanto interligados quanto isolados da trama, o que não deixa
espaço para muita lengalenga verbal comumente presente em obras dessa época, e
que me incomoda um pouco. Tenho que dizer, portanto, que é uma pena que essa
obra seja tão desconhecida do público brasileiro. É muito boa, é a fonte de
muitos temas que hoje nos são banais. Temos um anti-herói bipolar que comete crimes
terríveis e minutos depois está arrependido até a alma. Temos heróis
convencionais, mocinhas convencionais, mas também mocinhas bastante descaradas
e com um pezinho na magia negra. Enfim, personagens para todos os gostos. A
súplica que deixo é que alguma editora brasileira o descubra e o traduza. Seu
conteúdo visual “pesado” seria acaloradamente bem recebido nos dias de hoje.
O livro pode ser adquirido, em
inglês, pela bagatela de 21,20 na Livraria Cultura. (hyperlink: http://www.livrariacultura.com.br/p/the-monk-1294902)
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