sábado, 18 de julho de 2015

Resenha: “The Monk” de Matthew G. Lewis: sangue nunca é pouco



Provavelmente você nunca ouviu falar de Matthew Gregory Lewis. No máximo conhece o nome Matthew Lewis, já que esse é o ator que interpreta Neville nos filmes do Harry Potter. Já o Matthew Gregory foi um escritor inglês nascido no século 18 e autor de um dos romances mais importantes dos primórdios da literatura gótica: The Monk. 


Ilustração de edição de 1846


Desde que comecei a estudar literatura “oficialmente” tenho me dedicado a ler os romances e contos que fundaram e constituíram a literatura que hoje é mais amplamente conhecida como “de terror”. E “The Monk” é justamente uma dessas obras cruciais. Infelizmente não há nenhuma tradução brasileira, mas o livro pode ser encontrado em versões portuguesas (se você mesmo importar, entretanto). Como podem ver, não é um livro acessível e nem famoso nos dias de hoje. Minha versão, em inglês, faz parte da coleção de ficção da editora Dover, mas pode ser encontrado em qualquer coleção de clássicos em língua inglesa.

Pois bem, o livro conta com uma introdução assinada por “E. A. B.” de 1906 e curiosamente é uma crítica ferrenha ao livro e autor. Diferente da maioria das introduções, que costumam exaltar a obra e mostrar todos seus pontos positivos, esse texto introdutório aponta diversos defeitos no livro e deixa um ar de que apesar de ter sido influência para muitos autores importantes, não deveria continuar sendo editado. Discordo completamente dessa opinião.

“The Monk” trata da história de um monge (obviamente) chamado Ambrósio, que é o maior exemplo de santidade na terra e admirado por toda a sociedade em que vive. Situada em Madrid na maior parte do tempo, a história se passa dentro da abadia em que Ambrósio reside, o convento vizinho a essa abadia, (que será palco para histórias paralelas à de Ambrósio) além de castelos escuros e fantasmagóricos. Seria clichê nos dias de hoje, se não fossem um dos fundadores desse clichê. A linha narrativa de Ambrósio gira em trono de sua relação com personagens femininas que acabam por despertar todos seus desejos humanos que, enquanto exilado da sociedade dentro da abadia, Ambrósio excluíra por completo de sua existência. Paralelamente acompanhamos as histórias de amor e separação de Raymond e Agnes e Lorenzo e Antônia, que em diversos momentos se cruzam e complementam. O livro, portanto, nos apresenta várias tramas de importância similar e todas tão boas quanto as outras.

O que faz então desse livro notável ou passível de críticas pesadas com as da sua introdução? The Monk é um livro com cenas muito visuais. Uma das maiores críticas da introdução é a respeito do autor não deixar nada para a imaginação; ele não é sutil em suas descrições e muito menos economiza sangue em suas cenas. E isso não era comum em sua época. Aliás não é comum em grande parte da literatura. Porém isso não é um defeito, mas enriquece a história e adiciona um caráter muito próprio à obra. Uma das cenas, por exemplo, nos mostra o linchamento de certa personagem pelo povo, que a princípio a xingam, ofendem, então passam a carregá-la pelo meio da multidão e então a agredi-la, as jogam na lama e sujeira, a empurram entre si, cada vez de forma mais violenta, arrastando-a pelas ruas. Após ser golpeada na têmpora e cair ensanguentada no chão, a multidão não a perdoa e continua a chutá-la e golpeá-la até que seu cadáver se torne uma “massa de carne, horrível de se olhar, disforme e nojenta” (tradução livre). Vemos que não é qualquer morte que passe despercebida. É chocante, é visual e perturbadora. E assim são muitas outras cenas desse livro, que incluem mais assassinatos, violência sexual e pactos demoníacos.

Além de toda essa violência gratuita, outro ponto forte do livro é a quantidade de surpresas que ele proporciona. Eu não sou uma pessoa que se surpreende fácil; na maioria das vezes que leio um livro ou vejo um filme acontece uma das duas coisas: ou eu adivinho  o final, que na maioria das vezes é previsível de qualquer forma, ou eu tenho expectativas para esse final que acabam sendo muito altas e me decepciono com a banalidade com que a trama é encerrada. A obra de Lewis não se encaixa nesses casos. Durante toda a história fatos surpreendentes e inesperados acontecem, inclusive uma história memorável incluindo um fantasma de uma moça, possivelmente um molde para lendas contemporâneas no estilo da loira do banheiro e afins. A cena inclui também a lenda cristã do Judeu Errante, personagem incapaz de morrer e que vaga o mundo até o fim dos tempos. O livro inclui, aliás, uma das cenas mais tristes entre uma mãe e um filho morto. De cortar o coração.

Em The Monk, como vemos, há diversos acontecimentos, tanto interligados quanto isolados da trama, o que não deixa espaço para muita lengalenga verbal comumente presente em obras dessa época, e que me incomoda um pouco. Tenho que dizer, portanto, que é uma pena que essa obra seja tão desconhecida do público brasileiro. É muito boa, é a fonte de muitos temas que hoje nos são banais. Temos um anti-herói bipolar que comete crimes terríveis e minutos depois está arrependido até a alma. Temos heróis convencionais, mocinhas convencionais, mas também mocinhas bastante descaradas e com um pezinho na magia negra. Enfim, personagens para todos os gostos. A súplica que deixo é que alguma editora brasileira o descubra e o traduza. Seu conteúdo visual “pesado” seria acaloradamente bem recebido nos dias de hoje.

O livro pode ser adquirido, em inglês, pela bagatela de 21,20 na Livraria Cultura. (hyperlink: http://www.livrariacultura.com.br/p/the-monk-1294902)

P.S: Há um filme francês inspirado no livro, lançado em 2011 e estrelado por Vincent Cassel. Infelizmente na trama vemos apenas uns 30% da história do livro, não vale muito a pena.


P.S 2: Lembram-se do espelho mágico da Bela e a Fera? Aquele que é usado para ver e bisbilhotar a vida de outras pessoas? Está aí nesse livro, igualzinho. Seria Walt Disney fã de Matthew G. Lewis?

 

 

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